18 de dezembro de 2007

Reflexo

Sentado à beira do cais, mirava as pequenas ondulações que os barcos produziam ao longe, naquela tarde calma de janeiro. Tudo parecia conspirar para que ficasse ali pelo resto do dia. Procurava memorizar cada estímulo que recebia do mundo: a brisa tocando os pêlos do seu braço, esticava os dedões do pé dentro d'água. Olhava para o lado oposto da baía, para onde todas as nuvens pareciam rumar, e se esconderem do fim do dia.

Fazia um bom tempo que não se sentia a vontade o suficiente pra revisitar todas essas sensações, pequenos pedaços daquela felicidade besta da infância. Nunca sobrava muito tempo pra deixar de ser quem precisava ser, e se enxergar do jeito que mais gosta.

Aproveitando cada pequeno momento daquele êxtase solitário.

"Quem nunca precisou de um tempo sozinho?" - Se perguntava, porquê depois de tanto tempo passou a achar errado, egoísta e hipócrita querer se isolar, e pensar na vida. Na sua vida.

Tudo bem, sua vida não era lá motivo de uma autobiografia, com todas as agruras e prazeres de uma pessoa normal, que ri, chora, sonha, se dá mal de vez em quando... mas pra ele não. Pra ele, todas as coisas se encaixavam de uma maneira sobrenaturalmente certa, se bem que por vezes perdia o fio da meada, e não conseguia enxergar mais as coisas com clareza. E era nesses momentos que precisava se retirar um pouco da situação, se transportar pra fora de si, e analisar minuciosamente aqueles detalhes, aquelas cenas em que machucava, enganava, omitia, sem perceber. O problema era que precisava fazer aquilo com uma frequencia maior que o resto das pessoas que conhecia. E uma das coisas que o deixavam mais triste era quando confundiam essa sua necessidade com desamor.

E amor era uma das coisas que ele mais tinha dentro de si... mais do que podia perceber nas outras pessoas. Às vezes tanto que ele precisava sair, fugir, vomitar pra não engasgar com ele. Sentia que algumas pessoas se decepcionavam com ele, e isso o matava por dentro. Queria deixar todos felizes, corresponder às expectativas das pessoas que ele amava. Mas ele sabia que isso era tão impossível quanto seu desejo de andar sobre a água da baía e ver as nuvens mais uma vez.

A tarde caía, e ele acendeu mais um cigarro, tragando-o lentamente. Achava que a fumaça ativava a sua imaginação, e assim voava. E se tornava o artífice de mais uma fuga, de mais um devaneio. Olhando sua imagem impressa no mar, sonhava em ser o ditador de um pequeno país. Obviamente, esse país era uma pequena ilha no pacífico, ou no caribe, talvez. Um maço de cigarro, uma brisa fresca e aquela mesma baía em sua frente.

E mais ninguém.

Então, a tarde se foi, assim como seu reflexo na água.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sobre a ana. ela é uma fumante ativíssima, vai sofrer de DPOC mais tarde...
ela tem um pouco de vc, n tem??
:**

Tila Miranda disse...

Engraçado. Eu ia copiar umas partes e dizer: porra! como isso parece comigo.
Mas aí ia copiar tanto do texto, que preferi dizer por minhas palavras.
Ficar sozinho, pensar na própria vida, analisar fatos, se separar do próprio corpo e observar. Ver como fazer, como as pessoas se comportam. E ainda confundem tudo isso com falta de amor.
hahaha seria até irônico, mas nunca andei berrando por aí, nunca sorri que nem uma idiota sem cérebro com alguém ao meu lado (que não seria lá o mártir da inteligência) e sei que sou amor até os ossos.
Eu sou amor até os ossos.

Continue.

Imun disse...

Muito bom, Bruno!!! Esse tá muito bom mesmo!!!