4 de agosto de 2008

Caminho

Dirigia seu cupê cinza por aquela estrada, absorto. Já havia alguns dias que sua raiva havia passado, só pensava agora na estrada que se desenhava através dos faróis. Os fachos de luz atravessavam a leve neblina que pairava quieta sobre o asfalto, e o bólido cinza como lâmina única, decidida a seguir seu caminho. Não importava quão íngreme a subida ou a descida, se deslocava constante, sem medo. Seus olhos cansados apenas fitavam o final daquela reta... Havia quilômetros naquela estrada sem encontrar uma única curva. Ao lado, as plantas se dobravam conforme ia passando, numa suave reverência aos que vêm e vão. Aos que tiveram a coragem de deixar o calor de suas lareiras, dos seus amigos e parentes, partindo rumo a todos os lugares... e ao mesmo tempo a lugar nenhum. Sem olhar para trás. Amanhecia. Seu sono, reflexo das longas horas ao volante, o lembrava que precisava parar... mas quando? Assim como o sentimento que o fez deixar a cidade, não esperava encontrar lugar para descansar nesse dia que se anunciava, com os primeiros raios de sol tocando o capô do carro. Não tinha expectativas. Era cheio de esperanças, de encontrar as novas praias, novos rostos sorridentes, novas vidas; no entanto, não nutria expectativa nenhuma. Se não achasse nada, absolutamente nada do que esperava encontrar onde quer que estivesse indo, o simples fato de estar ali, indo de encontro ao seu medo do desconhecido, já o deixava satisfeito. E era isso que o impelia a deixar seu pé firme no pedal, as mãos seguras ao volante.

Viu um pequeno ponto vermelho no final daquela longa reta. O sol já vinha se impondo a algum tempo sobre seus olhos, então apagou os faróis e seguiu. Alguns instantes depois, viu uma cancela se fechando, a luz vermelha piscando sobre ela. Parou, abriu a porta e desceu. À sua esquerda, quase desaparecendo no horizonte, uma grande montanha, e sobre ela uma nuvem ainda maior, negra, se afastando mais e mais. Fitou por mais uns instantes aquele gigante, e desceu seus olhos. O som do trem ficava mais e mais claro, assim como sua imagem, saindo de dentro das árvores ao longe, em sua direção. Um banco de madeira ao lado da cancela chamou sua atenção. Cansado, sentou nele e inspirou profundamente, buscando o frio ar daquela manhã. E o trem chegou até ele. Passando lentamente por ele, que observava os poucos passageiros que passavam dentro dos vagões escuros e velhos. Uma criança, fitando seus olhos de dentro do trem, fisgou sua atenção. Seus olhos vazios o lembraram do mesmo vazio que ocupava sua vida tempos atrás, quando deixou a pulsante cidade em que vivia para tentar, talvez, preencher esse vácuo em algum outro lugar, alguma outra vida.

O trem seguiu, fluindo seu pesado corpo de metal rumo a outro canto, lugar esse que ele não iria. Não agora. Levantou-se devagar, e, retornando ao carro, viu um pedaço de papel no chão, próximo aos trilhos. Provavelmente o garoto havia jogado-o fora. Pegou aquele pequeno pedaço de papel, vermelho e desbotado. Era uma passagem de trem... lembrou-se de quando realizou essa mesma jornada, de tudo que passou, de toda a chuva. Mas simplesmente amassou-a novamente, jogou por cima de um dos ombros, entrou no carro, e seguiu em frente.

Um comentário:

Tila Miranda disse...

"Pegou aquele pequeno pedaço de papel, vermelho e desbotado. Era uma passagem de trem... lembrou-se de quando realizou essa mesma jornada, de tudo que passou, de toda a chuva. Mas simplesmente amassou-a novamente, jogou por cima de um dos ombros, entrou no carro, e seguiu em frente."

Eu acho que eu não preciso dizer absolutamente nada depois de ler esse trecho. Embora eu quisesse preencher todas as linhas possiveis aqui, eu não poderia dizer nada. Acho engraçado o garoto ter jogado o papel pela janela. Talvez fosse de outra pessoa. Talvez alguma pessoa de outro gênero deu pra ele, para que ele jogasse fora na hora certa e caisse nas mãos de alguém que já havia se afastado de tudo isso ha muito tempo atrás. Quem sabe...