16 de abril de 2007

Era alta madrugada naquela espelunca, quando ela entrou. Já tinha perdido a conta de quantas doses de conhaque barato tinha tomado, naquele canto esquecido e fedorento da cidade. Era o quarto ou quinto bar que fechava naquela noite. Foi uma noite realmente atípica. Gosto de sair sozinho, mas encontrei gente conhecida em cada lugar em que parei. Odeio encontros inesperados. Gente inconveniente, com a mesma conversa parada, o mesmo marasmo, discurso ensaiado na ponta da língua, que fora afiada por noites e noites afora.

Estava cansado. Umas 12 horas bebendo sem parar, na velha caminhada rumo a um final de noite ébrio. Sentado de costas para a porta, levantei rápido e segui cambaleando até o balcão, mão dentro do bolso da jaqueta buscando qualquer punhado de notas amassadas. Tinha pressa. A gastrite me lembrava que eu ainda tinha uma casa. Ainda. Foi quando a vi, entrando no bar. Seus cabelos despenteados, pintados com um vermelho tão barato quanto sua maquiagem, a deixavam com uma aparência ainda mais doentia, dada sua magreza excessiva. Sua pele era cinza, quase como o resto do cigarro que fumava. O que mais me chamou a atenção foi ninguém ter desviado o olhar para sua figura bizarra, mesmo com aquele vulgar vestido branco, curto e rente ao seu corpo esquelético. Ela entrou com os olhos baixos, passou por mim, e assim prosseguiu até encontrar uma mesa vazia, num canto oposto ao que me encontrava. Sentou, e o barman pegou uma cerveja no freezer, e levou a ela, entregando a garrafa com desdém. Eles já deviam se conhecer de alguma forma. E assim continuei por um breve momento, fitando aquela estranha, num misto de atração e repulsa.

Eu sempre sinto isso. Tanto que já considero essa sensação como um vício, um vício inútil e que não me acrescenta em nada, mas não consigo parar de gostar de sentir. Quanto mais estranha a pessoa, quanto mais patética, mais cresce essa atração, essa vontade de estar perto, de tocar, de sentir o cheiro. E na maioria das vezes, a outra parte nem faz ideia de que minha busca não está nela. Ela é apenas um canal, o veículo da sua própria excentricidade, da qual me alimento. E essa mulher fez isso comigo. De uma forma soberba. Não conseguia parar de olhar seu rosto, suas pernas e braços finos. Sua cor medonha. Esqueci da gastrite, e pedi mais uma cerveja, a mesma que ela bebia desesperadamente, com a sede dos que se perdem no deserto. A mesma sede que ela me despertou. Minhas pernas me impeliam ao encontro dela, mas não podia. Não sei por que, mas não podia.

Nesse momento um homem entrou, passos pesados e largos. Traços rudes, e um semblante irritado, algo nervoso. Sentou na mesa em que ela estava, sacou algum dinheiro do bolso e lançou as notas sobre a mesa, rapidamente. Ela olhou para o dinheiro, murmurou algo e se levantou com ele. Foi aí, nesse exato momento, que a coisa mudou. Ela lançou um olhar rápido sobre mim, e então vi seu rosto inteiro, assim como ela viu o meu. Os mesmos olhos e olhares de 15 anos atrás.

Éramos crianças e nos amávamos. Agora somos um bêbado e uma vadia.
Eu e Ana.

6 comentários:

Anônimo disse...

Adorei esta passagem... extremamente visual e intimista. Ana agora apresentada por uma nova perspectiva.

Muito bom cara.

Tila Miranda disse...

Sabe, vou fazer um daqueles comentários que só putões fazem pra putões.
Tu é foda, man.
E eu tava com saudade de dizer que te amo.

Adorei o texto, adorei. Você é foda, bruno.

Puta que pariu, as passagens são geniais. GENIAS........

nao pare :)

Anônimo disse...

Concordo com Tila. Não pare, continua que estou ansioso por novos fragmentos.

Rapaz, estou lendo ON THE ROAD de Jack Kerouac... tenho lembrado bastante de você.

Forte abraço.

Anônimo disse...

Adorei o final! A agonia de encontrar e atrair-se por um "fantasma" no meio dos "cheios de vida". Um fantasma por conclusão estética no início da crônica vira um fantasma do passado. Uma puta do passado, por assim dizer.
E volta a ser uma conclusão estética.
Genial!

Tens talento, rei!

Anônimo disse...

Boa véi! Ia mandar uns pitacos, mas vou deixar quieto. Num vou me meter no teu texto...

Tem post novo no bar do saci...até que enfim!!!

Anônimo disse...

Que final surpreendente!

a moça usa crack né? visual carcomido desses...
poxa, e essa gastrite ...
;/