29 de julho de 2009

..Ana


Sempre que voltava do trabalho, sentava num banco de madeira e acendia um cigarro. Passava um bom tempo lá, todos os dias, mas nunca conversou com ninguém. Na mesma proporção que sentia curiosidade pelos diversos tipos que passavam pela sua frente, sentia também nojo. Asco irracional pelo contato humano, como se o calor daqueles seres queimasse dolorosamente sua pele pálida e fina. Tanto que arranjou um emprego de forma que não precisaria falar com ninguém. Limpando o chão dos escritórios, se tornava invisível aos olhos dos executivos, das secretárias e dos demais bípedes que habitavam seu local de trabalho. Nunca havia recebido um aperto de mão, um cumprimento, ou sequer um olhar de ninguém dentro daquele prédio. Apenas o esfregão, os panos e o piso compunham o ambiente, todos os dias. Para ela, não importasse o horário, o prédio estava sempre vazio. Assim como a praça. Assim como toda a cidade.

Fazia um frio agradável naquela tarde. Sentava no mesmo banco, observava as pessoas que caminhavam por aquela praça. Alguns a passos calmos, outros num trote apressado. Alguns conversavam com alguém, outros passavam calados. Havia ainda os que conversavam sozinhos. Esses eram o que mais prendiam sua atenção. Para a maioria das pessoas, esses eram loucos. Mas não para ela. Toda vez que olhava para um desses, sentia algo parecido com inveja. Enxergava essas pessoas como possuidoras de uma autosuficiência rara, capazes de viver sem depender de nada, nem ninguém. Ninguém que odeie, que ame, que seja maleducada ou que abandone.

Era cada vez mais recorrente dentro dela o desejo de ter nascido autista. Ou retardada.
Talvez assim, não se culpasse tanto por tudo que havia acontecido dentro da sua breve - e vazia - existência. Não teria certeza que não há mais esperança de melhora, ou nem mesmo chegaria a um dia nutrir esperanças de algo.
Talvez não passasse os dias cultivando as flores do seu próprio funeral.

Conformada, terminou seu último cigarro, levantou-se, e caminhou até seu apartamento. Devagar.

(mais um fragmento...)

Um comentário:

Tila Miranda disse...

Acho engraçado uma pessoa depressiva e levemente catatonica ter na consciencia a vontade de ser alguém que não controla as proprias ações.
As vezes fico pensando se Ana não seria aquela parte de nós que aceita e se delicia silenciosamente na tristeza e melancolia, não comer do prato do prazer por estar em extrema anorexia de viver.
Talvez Ana seja o meu extremo, o seu extremo da "inesperança", se arrastando pelos cantos da mediocridade, afastando-se do mundo por ter medo de se tornar algo parecido com as outras pessoas. Dessa forma se esconde em uma sombra qualquer, seja ela suja ou desajeitada, mas esconde. Esconde tudo dentro de seu proprio nome: Ana Não Ama.